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terça-feira, 14 de agosto de 2012

Carta aberta de um ex-membro do CAFil

Aos estudantes do prédio do Largo São Francisco de Paula:

É engraçado como, nessas discussões acerca de greve e das ações promovidas pelos movimentos grevistas, ouve-se com certa frequência que os movimentos em questão não representam alguém. Como se os estudantes na frente do prédio estivessem ali para apontar acuradamente para a posição específica de cada um no espectro político, ou para cada vontade ou crença pessoal, e não para levar adiante uma decisão tomada coletivamente. Dizer que aqueles estudantes não lhe representam em atitudes que foram tomadas em conjunto é algo tão vazio semanticamente (no contexto sendo considerado) que só mostra a ausência completa de reflexão do que está sendo dito. É trivial que eles não estejam ali a representar a escolha pela ausência nas deliberações. Que eles não estejam ali a ter em mente posições que nunca foram expressas no espaço no qual elas poderiam resultar em algo concreto. Aos que acham que deslegitimar um curso de ação por não terem sido avisados acerca da assembléia que decidiu pelo mesmo, é importante lembrar que convocação para assembléia não vai aparecer na porta de casa trazida por algum mensageiro do movimento estudantil. A convocação é sempre feita pelos meios relevantes, e cabe a cada um verificar esses meios. Ninguém é obrigado a se interessar pelas atuações políticas estudantis ou pelos espaços de discussão e deliberação próprios dos estudantes, mas isso tem um preço, que é o da ausência na construção das ações a serem realizadas coletivamente. E pouco importa se esse "coletivamente" diz respeito a 100 ou 1000 estudantes. A ação coletiva possui sua razão de ser no caráter público, democrático e aberto do espaço no qual ela nasceu. Espaço no qual a maioria dos estudantes do IFCS/IH certamente não esteve presente, e isso é de se esperar. Mas é o espaço legítimo para a construção de ações coletivas, e vontades individuais ausentes não são somadas ao coletivo. No dia em que o movimento estudantil deixar de agir devido à ausência da grande maioria nos espaços de deliberação próprios, simplesmente não haverá mais movimento estudantil, pois esse é constituído justamente pelos interessados na atuação política estudantil. E esse interesse não é dado pela existência de uma crença política qualquer, mas na participação na elaboração das ações coletivas. Os que querem fazer valer a posição individual acima da posição coletiva simplesmente não entendem que é justamente isso que acaba com a universidade enquanto comunidade. O exercício pleno das vontades individuas é incompatível com a vida coletiva. Se cada um é livre para fazer o que bem entender, independentemente do que a comunidade decide, então o intuito dos espaços de discussão e deliberação é simplesmente perdido.


Quanto às comparações à ditadura e acusações de autoritarismo, percebe-se novamente a falta de reflexão sobre o que é dito. Dizer que um movimento que buscou fazer valer a decisão coletiva através da violência (algo bastante distinto de agressão física) está sendo autoritário e anti-democrático não faz sentido. É como se aquilo que originou essa manifestação não tivesse existido. Como se a decisão dos professores do IH por voltar as aulas não passasse de modo completamente arbitrário por cima das decisões das assembléias de professores, de estudantes (de graduação E de pós-graduação) e dos técnicos (ou seja, de todos os setores da universidade). Condenar um movimento por tentar impedir a concretização de uma decisão que vai contra todas as decisões coletivas tomadas através da acusação de autoritarismo e de comportamento ditatorial revela uma maneira (no mínimo) curiosa de exergar a situação. De todo modo, acho que essa conversa de ditadura é totalmente descabida aqui, porém a questão da violência é sim relevante. Impedir professores de dar suas aulas é algo violento? Certamente. Assim como a greve também é violenta, e seu potencial de transformação reside justamente nessa violência (principalmente em um mundo no qual justeza de reivindicações geralmente não é suficiente). O relevante é perguntar-se até onde essa violência deve ir. O que não dá é caracterizar um movimento como ditatorial ou autoritário pelo mesmo empregar a violência em uma tentativa de fazer valer decisões coletivas. O que importa aqui é se tal tentativa foi a mais apropriada ou não (tendo em vista os objetivos do movimento). Todos estão sujeitos ao erro, e uma participação política (novamente: essa participação não é a combinação de ausência política + reclamações com conteúdo político) cada vez maior daqules aos quais dizem respeito as decisões tomadas em assembléia é uma forma de garantir que uma quantidade menor de erros seja cometida. Quanto maior o número de participantes em uma discussão, mais provável é a consideração de mais pontos de vistas. O que importa é não se ausentar da vida política da universidade, mesmo achando que vai "perder" em todas assembléias. Ir a uma assembléia e "perder" na defesa do que se acha correto pode ser muito mais eficiente do que ficar com a maioria ausente que se contenta em "não se sentir representada". Concluindo: fica aqui meu apoio à ação desses alunos e uma convocação aos que preferem a reclamação à ação para que ocupem cada vez mais os espaços de deliberação política da universidade, os espaços nos quais suas crenças políticas podem de fato fazer a diferença.


Victor Galdino Alves de Souza

Representante do corpo discente de mestrado do Programa de Pós Graduação Lógica e Metafísica
Membro da comissão gestora da Associação dos Pós-Graduandos da UFRJ.



correções: penúltima frase do segundo parágrafo: " "não se sentir representada" "
antepenúltima frase do primeiro: "querem"
penúltima frase do primeiro parágrafo: "individuais"
última frase do primeiro parágrafo: "independentemente"

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